quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A obra de Antero de Quental

Raios da Extinta Luz e Primaveras Românticas

Os temas destes versos na juventude de Antero são um misto de erotismo romântico de ideias pseudo-filosóficas então em voga: Niilismo, religiosidade cósmica, satanismo, pampsiquismo. As poesias Juvenilia apresentam-se com uma característica que as distingue de outra que Antero escreveu mais tarde: a insistência nos temas amorosos.
Ele vê a mulher como um anjo e o amor que lhe dedica é puro, sagrado, espiritual, isto é, o amor platonizante petrarquista. Por outro lado, em algumas composições, o amor de Antero é um abandono após o cansaço, um atirar-se semimorto para os braços da amada, ficando lá descontraído e calmo, como uma criança a dormir no colo da mãe. Anjo, mãe, criança pequenina: foi assim que o poeta viu a mulher.

Odes Modernas - um livro que é a "voz da revolução" Antero insurgiu-se abertamente contra a poesia romântica. Ao escrever as Odes Modernas, pôs de parte os subjectivismos românticos e começou a olhar e palpar as realidades sociais que o cercavam. A obra oferece-nos uma interpretação evolutiva da história, faz considerações metafísicas acerca do homem e do Mundo, não ocultando uma aspiração de transformações sociais. Por outro lado, inspirou-se em duas fontes doutrinárias muito em voga na época: o evolucionismo idealista de Hegel e o humanitarismo democrático de alguns autores franceses, sobretudo Proudhon.
O livro abre com o poema Panteísmo, que é uma mistura de pampsiquismo e de idealimismo Hegeliano. Além de Hegel, devem ter influenciado Antero nesta poesia: Vítor Hugo, Michelet e Nerval.
Panteísmo insurge-se contra o Absoluto transcendente em rebate o cristianismo afectivo dos românticos.

No poema A História há uma visão pessimista do passado (ódios, vinganças, desgraças, misérias). Os males do passado evitar-se-ão no presente e no futuro desde que se faça guerra aos tiranos, aos reis sem fé e aos deuses enganosos e se preste culto ao Amor e à Liberdade. Então, numa civilização assente sobre a rocha da Igualdade, reinará o Amor de Irmãos e haverá a verdadeira paz.
Na poesia No Tempo volta a prognosticar o triunfo da voz do povo que fará evolucionar a história para a Igualdade e a Justiça. Ao mesmo tempo, num ciclo de sonetos, Antero tenta a explicação do Mundo pelo Absoluto imanente. Conclui-se do soneto que um mundo ordenado tal qual o percebe só se pode entender omo expressão, manifestação da Ideia, a qual, em contínua evolução se consciencializa no Homem e no Estado.
Na poesia Et Coelum Et Virtus, refere-se a um Deus moribundo que desaparece para dar lugar ao Deus imanente da consciência.
No poema Pater insurge-se contra os sacerdotes que erradamente julgam ter na mão o monopólio da Terra e do Céu. Verdadeiros padres são para ele o mar, o firmamento, o vento, o cedro, a natureza, as mães, os poetas, os proscritos, os heróis, isto é, uma mistura confusa de mundo inanimado e de mundo humano.
No poema Tentanda via Antero esconde uma certa melancolia ante o fatal desaparecimento das coisas que a evolução desgasta, que o ímpeto revolucionário há-de fazer ruir. Evolução Ideológica Educado no catolicismo, viu Antero a sua crença profundamente abalada nos primeiros anos da vida universitária.

"Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direcção, estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por todos da minha geração".
Carta autobiográfica de 14 de Maio de 1887.

A partir dessa incerteza e dúvida, o poeta começou a sentir na alma uma aspiração pelo Absoluto, que foi a grande obsessão da sua vida. Com pouco mais de 18 anos converteu-se de vez ao «Germanismo», começando a encher grande parte da sua produção poética com lucubrações metafísicas radicadas no evolucionismo idealista de Hegel. Segundo o Idealismo as coisas sá se entendem como manifestações de Ideia, que nelas se vai determinando até tomar consciência de si. A única realidade inteligível é então a Ideia, da qual o Mundo é produto. Hegel ensina que a Ideia é movida por uma necessidade intrínseca para a sua determinação e manifestação. Mas ao determinar-se, cada manifestação da Ideia (tese) esbarra-se necessariamente na sua contrária (antítese) e logo se transforma numa nova (síntese). Mas de esta forma deixava-lhe me aberto o problema da finalidade do homem na Terra. Num soneto pergunta Antero aos Deuses: "para que nos criastes?" Deparamos então com Antero à procura do sentido prático da vida através de um socialismo utópico . Antero trabalhou afincadamente pela implantação de uma ordem nova na sociedade portuguesa. Ele acreditava que o bem estar social devia provir da evolução pacífica, baseada na moralidade, na instrução e na consequente autopromação da classe trabalhadora. Por outro lado, a morte de pessoas a quem muito queria, a doença e outras contrariedades inundaram-lhe a alma de pessimismo. Antero chegou ao conhecimento de que o Universo é um sofrimento sem finalidade e que tudo caminha invariavelmente para o nada. Tudo menos a Consciência, que se deve esforçar para atingir o Nirvana, onde há o repouso completo. Pensamentos do poeta Antero viu a burguesia triunfante de 1834 degenerar num capitalismo de especulação que nada produzia. Retomando a doutrina de Proudhon apela em alguns sonetos Antero para a Justiça; o Pensamento, a Ideia, que será luz do mundo; a Revolta e A Luta, até tudo estar no seu lugar; o Trabalho, de que alguma coisa ficará; o Cristo, avô da plebe; a Liberdade, sob o império da razão. Na sua fase pessimista, os sonetos estão repassados de emoção e contruídos de imagens: vê-se a dor em todo o lado e estamos continuamente a ouvir que é preferível o "não ser" ao "ser como se é". Sentem-se nestas poesias influências de Hartmann e do budismo. O pessimismo levou Antero a evadir-se, a fugir sempre para mais além. Essa região onde procura refugiar-se, aparece como um mundo indefinido, longínquo e vago; uma acção material, absorvente e enérgica; o sono no colo da mãe; o desprendimento do sensível; a aspiração a um Deus clemente, que o leve para o céu. A morte é considerada nos seus sonetos sob variados aspectos: liberdade, fim de todos os sofrimentos, irmã do Amor e da Verdade, consoladora das tribulações, berço onde se pode pode dormir, paz santa e inefável. E, em última análise, o ingresso no Nirvana, no "não ser". Antero fala de um Deus transcendente, no qual não acredita; num Deus que anima tudo, mas que é inconsciente nos deuses invenção do homem. Na metafísica de Antero devemos ver um primeiro esforço para explicar o mundo sem o Deus pessoal dos cristãos. Com ela Antero pretende ter encontrado a razão do Universo na Ideia. A ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência, só se revela aos homens e às nações no céu incorruptível da Consciência ! Antero sente lá dentro uma voz misteriosa que lhe afirma: a existencia do Bem, da glória do amor, o Amor puro e sempiterno onde estão mergulhados todos os que amou. No fim de tantos desenganos e dores, o poeta descobriu num lampejo o Amor. Na Carta Autobiográfica, confessa o poeta com não oculta satisfação: " No psiquismo, isto é, no Bem e na Liberdade moral, é que encontrei a explicação última e verdadeira de tudo, não só do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos físicos elementares.".


Retrato de Antero de Quental (Óleo de Domingos Rebelo)

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