quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Alves Redol - perfil literário

António Alves Redol nasceu em Vila Franca de Xira, distrito de Lisboa, em 1911. De família humilde, após quatro anos de internato, em que estudou contabilidade, entrou a ganhar a vida trabalhando, inclusive em Luanda (África), para onde seguiu com 16 anos, e de onde regressou em 1930, rico de experiências mas pobre de dinheiro.
Em Dezembro de 1939, iniciou sua carreira de ficcionista e o Neo-Realismo em Portugal, com Gaibéus, romance que patenteava extraordinário influxo da ficção brasileira do Nordeste, e da norte-americana suscitada pela depressão dos anos 30. É que Alves Redol, bem como os contemporâneos de geração, havia descoberto flagrante semelhança entre o drama dos pobres gaibéus, verdadeiros servos da gleba, e os retirantes nordestinos, escorraçados pelas secas e a fome, e os "oakies" famintos e miseráveis.
O êxito da obra de estreia, marcada pela "prosa incendiada e barroca de Fialho", como declara o prosador no prefácio à 6 a edição de Gaibéus, estimulou-o a desenvolver suas aptidões literárias e até o induziu a viver exclusivamente da pena. Faleceu em Lisboa, em 1969.
Cultivou o teatro (Maria Emília, 1945; Forja, 1948), o romance e a novela (Gaibéus, 1940; Marés, 1941; Avieiros, 1942; Fanga, 1943; Anúncio, 1945; Porto Manso, 1945; Horizonte Cer rado, 1949 V 'Ciclo Port-urine" I]; Os Homens e as Sombras, 1951 P 'Ciclo Port-urine", II]; Vindima de Sangue, 1953 ["Ciclo Port-urine", II I ] ; Olhos de Água, 1954; A Barca dos Sete Lemes, 1958; Uma Fenda na Muralha, 1959; Cavalo Espantado, 1960; Barranco de Cegos, 1963; O Muro Branco, 1966), o conto (Nasci com passaporte de turista, 1940; Espólio, 1943; Noite Esquecida, 1959; Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, 1962; Histórias Afluentes, 1963).
Embora tenha escrito peças de teatro, contos e estudos (como Glória, uma aldeia do Ribatejo, 1938; A França, da República à Renascença, 1948), Alves Redol destaca-se no panorama
da moderna Literatura Portuguesa por seus romances. Introdutor do Neo-Realismo, influenciado pela ficção social dos anos 30 que se produzia entre nós (Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e outros) e nos E.U.A. (John Steinbeck, Michael Gold, John dos Passos e outros), toda a sua obra romanesca traduz o esforço de documentar, polémicamente, a escravidão do homem à terra e ao senhor dela. De fato, excepto Anúncio, seu centro de interesse é o drama angustiante do injustiçado social, do campo ou das regiões ribeirinhas, seja ele gaibéu, avieiro, fangueiro, seja ele vinhateiro do Douro (romances do "Ciclo Port-Wine"), sempre vergado a um destino ingrato e sombrio.
Ortodoxamente neo-realista, o prosador não consegue divisar suas personagens sem adesão fraternal ou profunda emoção, de que resulta uma literatura de tese, voltada para os aspectos sócio-económicos, estribada numa mundividência socialista. A fim de alcançar a denúncia de um estado de coisas requerente de transformações radicais, lança mão de um estilo de reportagem, que procura captar os tipismos da localidade em que a fabulaçao transcorre. E os pormenores plásticos e o ritmo poético das frases completam a impressão de que Alves Redol compõe, na verdade, poemas em prosa ou sagas apaixonadas, tendo como herói o trabalhador irremissivelmente preso ao fado adverso.
Decerto, o processo neo-realista, à custa de repetido, tornar-se-ia esquemático e artificial caso Alves Redol não diligenciasse ultrapassar a sujeição rígida ao código político-estético em que se alinhou desde a primeira hora. Não só o lirismo compensava o que havia de postiço e panfletário no enquadramento materialista de seus romances, como se notava, a partir d'A Barca dos Sete Lemes, uma evolução rumo, não propriamente de uma superação total da ortodoxia, mas de um alargamento de vistas, em que se incluíam patentes e promissoras contradições, à semelhança do que ocorria em Barranco de Cegos. Evidenciava-o nitidamente o estilo, que, continuando a apresentar a orquestração lírica, mesmo épica, de antes, já se casava melhor à narrativa. A morte, porém, não permitiu que levasse às últimas consequências as saídas que tais mudanças pareciam implicar.


Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa
Editora Cultrix, São Paulo

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