quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Classificação de Frei Luís de Sousa

Garrett disse na Memória ao Conservatório que o conteúdo do Frei Luís de Sousa tem todas as características de uma tragédia. No entanto, chama-lhe drama, por não obedecer à estrutura formal da tragédia: não é em verso, mas em prosa; não tem cinco actos; não respeita as unidades de tempo e de lugar; não tem assunto antigo.
Sendo assim, quase podemos dizer que é uma tragédia, quanto ao assunto. Na verdade, o número de personagens é diminuto;
Madalena, casando sem ter a certeza do seu estado livre, e Manuel de Sousa, incendiando o palácio, desafiam as prepotências divinas e humanas (a hibris);
uma fatalidade ( a desonra de uma família, equivalente à morte moral), que o assistente vislumbra logo na primeira cena, cai gradualmente (climax) sobre Madalena, atingindo todas as restantes personagens (pathos);
contra essa fatalidade os protagonistas não podem lutar (se pudessem e assim conseguissem mudar o rumo dos acontecimentos, a peça seria um drama); limitam-se a aguardar, impotentes e cheios de ansiedade, o desfecho que se afigura cada vez mais pavoroso;
há um reconhecimento: a identificação do Romeiro (a agnorisis);
Telmo, dizendo verdades duras à protagonista, e Frei Jorge, tendo sempre uma palavra de conforto, parecem o coro grego.
Mas, por outro lado, a peça está a transbordar de romantismo:
a crença no sebastianismo;
a crença no aparecimento dos mortos, em Telmo;
a crença em agouros, em dias aziagos, em superstições;
as visões de Maria, os seus sonhos, o seu idealismo patriótico;
o «titanismo» de Manuel de Sousa incendiando a casa só para que os Governadores do Reino a não utilizassem;
a atitude que Maria toma no final da peça ao insurgir-se contra a lei do matrimónio uno e indissolúvel, que força os pais à separação e lhos rouba.
Se a isto acrescentarmos certas características formais, como o uso da prosa; a divisão em três actos; o estilo todo, do princípio ao fim, teremos que concluir que é um drama romântico, com lances de tragédia apenas no conteúdo.»


Barreiros, António José, História da Literatura Portuguesa, vol. II

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